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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Jovem de 14 anos passa no vestibular de Medicina. Há um problema por trás disto e afeta o Direito

Sincera e honestamente é pra darmos parabéns para o garoto, sim, mas... (adoro este "mas"). Há um tempo uma moça, de 18 anos, segundo semestre de Direito, passou na OAB. Lenio Streck, então, fez uma crítica muito interessante: "
Ela não trabalha como estagiária, não tem família “jurídica”. O mais próximo que ela está do direito é uma tia que trabalha na Justiça e um primo causídico. Não estudou processo, não estudou filosofia, não estudou processo civil, processo penal, direito penal... Mas passou. Ela estudou para a prova durante três meses, segundo disse na entrevista (ler aqui). Sua “metodologia”: leu as questões das provas anteriores, leu o Estatuto da OAB e o Código de Ética [...]
Thays, assim como o José Victor, usaram a mesma estratégia: estudar por provas anteriores. Aí, então, Lenio mata a questão:
"Os concursos e os quiz shows
Tenho denunciado o fracasso do modelo de concursos públicos e prova da OAB de há muito. Ao mesmo tempo em que Thays passa depois de ter cursado apenas uma pequena parte do curso de direito, mais de 50% chumbam nesse exame. Os concursos públicos aferem apenas informações. Decorebas. Thays — e não quero tirar o mérito dela (meus sinceros parabéns para ela) — é o exemplo de que basta treinar. Não é necessário estudar no sentido de refletir. É necessário tão-somente fazer um bom adestramento."
Não quero tirar o mérito da garotada prodígio, mas a coisa, se observada bem de perto, é pra lamentar. É que a gente tem uma mania de endeusar o vestibular e o vestibulando que obtém êxito, mas não discutimos a forma e a profundidade da avaliação. Lembro-me bem do Rubem Alves falando algo no sentido de que ele estava cansado de vestibular de cinco escolhas, escolhas múltiplas. Nós - dizia ele - queríamos um vestibular que revelasse a capacidade de pensar do aluno, nós queríamos medir a capacidade de racionar e criar.
Não vemos a garotada criando coisas, contribuindo com inovações, empreendendo de diferentes modos. O que temos é uma galera que se mata estudando provas anteriores e métodos de resolução de questões. O problema, minha gente, é que os problemas reais da vida não se resolvem com as técnicas de memorização. E sim, arrisco-me a dizer: as avaliações que nos sujeitamos nos vestibulares, na faculdades ou nas provas de concursos medem mais a nossa resistência física do que a nossa capacidade intelectual. São provas robotizadas, rígidas, sem espaço para a novidade.
Um exemplo de perda de tempo? Resumo de livro. Pra que resumir um livro, anotar o que o autor falou, se o que o autor falou já está no livro? Ao contrário, por que não incentivar o aluno a criticar o texto? Assim vai mostrar que leu, entendeu e é capaz de transcender o que ali estava posto. Outro exemplo? Decorar artigos de lei. De que adianta decorar os artigos da lei se, durante a vida, ainda mais com a tecnologia nos servindo, você vai ter acesso ao Código? Não é melhor ter a capacidade de ler o código e entender não só o que está escrito, mas também o que poderia estar significando ali? Nem sempre o que está escrito é o que se quis dizer...
Não quis me focar na notícia que comecei este artigo, sobre o jovem José Victor. Passou no vestibular porque se dedicou, porque estudou e porque mereceu. Serve, de verdade, como exemplo de perseverança pra todos nós, mas... Isto também acontece no Direito: digo, acontece isto de não sabermos, mas passarmos. De sabermos fórmulas, de decorarmos regras etc. No entanto, pergunto: a vida jurídica, a vida, a vida mesmo, pode se resumir a somente isto: decorar regras e fórmulas?

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