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segunda-feira, 2 de março de 2015

"Princípios do Código Civil não autorizam juiz a atropelar a lei"

O Poder Judiciário brasileiro faz uso peculiar das cláusulas gerais doCódigo Civil, como a que exige a boa-fé nos negócios jurídicos e a que garante a função social do contrato. Com isso, decisões entram em choque com as leis, pois juízes as fazem com base nas suas visões de mundo. Essa é a opinião do jurista alemão Jan Peter Schmidt, pesquisador do Instituto Max-Planck de Hamburgo. Para ele, o Brasil deveria rever a função desses princípios e cláusulas gerais.
“O objetivo dessas cláusulas não é dar poder ao juiz para prevalecer sobre o legislador. A função delas é permitir que o juiz tome decisões razoáveis quando houver uma lacuna na legislação, para que, por exemplo, quando não houver normas, ele possa encontrá-las nas cláusulas gerais, que podem guiá-lo nessa direção”, afirma Schmidt.
Em dezembro de 2014, ele falou sobre o princípio da boa-fé objetiva no Ciclo de Estudos de Direito Privado Contemporâneo, organizado pelo Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo, que congrega sete universidades brasileiras e duas europeias. O evento foi coordenado pelo professor titular Ignacio Poveda, secretário-geral da USP, e pelo professor doutor Otavio Luiz Rodrigues Jr, tendo contado a presença de mais de 30 professores de Direito Privado de diversas regiões do Brasil, além uma centena de estudantes de graduação e pós-graduação. 
O destaque do evento foi o professor Reinhard Zimmermann, catedrático da Universidade de Ratisbona, diretor do Instituto Max-Planck de Hamburgo e estudioso do Direito Romano e do Direito Privado Europeu moderno.  Zimmermann é considerado um dos maiores nomes do Direito Privado Comparado no mundo e exerce importantes funções públicas ligadas à pesquisa e à docência na Alemanha, além de ter sido homenageado na África do Sul por seu papel na luta contra o apartheid nos anos 1980. Em São Paulo, ele foi recebido pelo reitor da Universidade de São Paulo, Marco Antonio Zago. Zimmermann falou sobre a dificuldade para que sejam criadas normas europeias de caráter mandatório para o direito interno dos Estados-membros da União Europeia. Antes disso, é preciso restabelecer uma cultura científica comum — algo que o jurista não acredita que acontecerá em breve. “Houve uma época em que muitas pessoas pensavam que nós iríamos gradualmente obter um Código Contratual, ou inclusive um Código Civil comum. E aí, nós estaríamos em direção a uma Europa com Estados federativos, talvez no modelo dos EUA. Porém, no momento, há um grande ceticismo em diversos países. Quando tentaram aprovar uma Constituição Europeia em 2005, a iniciativa falhou. Então, o clima na Europa é menos positivo hoje do que foi no passado”, opina o professor.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico — da qual também participouOtavio Luiz Rodrigues Junior, professor doutor de Direito Civil da USP e ex-bolsista do Instituto Max-Planck de Hamburgo —, Schmidt e Zimmermann comentaram as semelhanças e diferenças entre os ordenamentos jurídicos do Brasil e da Alemanha, destacaram a importância do Direito Romano na formação dos advogados e criticaram a fragmentação do Direito Privado em códigos específicos.

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