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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Mulheres entram no mundo do crime para proteger parentes presos.

Na sala de audiência, elas são mães, esposas, irmãs e avós. São também mulheres que tiveram que prestar contas à Justiça após cometerem um crime. Presas por tráfico de drogas, elas expõem um drama cada vez mais comum: mulheres que são coagidas a se envolverem no mundo do crime para proteger um parente que está preso.
De acordo com o Tribunal de Justiça (TJ-ES) e com a Defensoria Pública, na maioria dos casos, as mulheres têm até 40 anos, e acabam presas por tentarem entrar com drogas nos presídios.
23.592 presos passaram pela 9ª Vara Criminal de Vitória, de 1 de fevereiro ao dia 16 de novembro este ano. Maioria está no regime aberto ou liberdade condicional, e vai lá a cada dois meses.
Quando flagradas, contam que foram obrigadas a praticar esse tipo de crime porque o familiar preso está sendo ameaçado de morte. E muitas se arriscam, mesmo que o custo esteja na própria liberdade.
“Já atendi o caso de uma professora que tinha o filho mais frágil, novo, na prisão. Pressionado por colegas de cela, o rapaz dizia ‘mãe, eu vou morrer, você precisa trazer’. Como percebi que ela havia sido coagida, a absolvi”, explicou a juíza Gisele Souza de Oliveira, que coordena as Varas Criminais e de Execuções Penais no Estado.
Em outubro deste ano, uma jovem de 26 anos foi presa ao tentar entrar no Complexo Penitenciário de Viana com 20 buchas de maconha. Ela foi coagida a praticar o crime porque o irmão, que está preso na unidade, tinha usado droga de outros presos, e estava devendo dinheiro ou a própria droga para eles.
Também por causa da coação, por ser ré primária e ter emprego fixo, a jovem teve a liberdade provisória concedida durante uma audiência de custódia.
TRÁFICO
“O tráfico de drogas é mais fácil de ser praticado. Essa cooptação acontece porque o tráfico precisa de muita gente, várias atribuições. E a droga dentro do sistema penitenciário é como se fosse um alívio. A droga vale muito lá dentro”, afirmou a juíza.
Apesar do aumento de casos envolvendo mulheres que foram coagidas a se envolverem com o tráfico de drogas, a magistrada ponderou que existem situações em que as acusadas praticam o crime por que querem ou somente para satisfazer a vontade do parente preso.
“Já atuei em um processo que tinha uma senhora de 70 anos com três netos presos em unidades distintas. Quando ela os visitava, fazia o leva e traz das informações. Ela acabou presa por associação para o tráfico, e não foi absolvida porque a Justiça não teve nenhuma informação de que ela estava sendo coagida a praticar o crime, e viu que ela o executava porque queria”, relatou.
REVISTAS
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) informou que as unidades prisionais do Espírito Santo não realizam revistas íntimas em visitantes desde 2012. Conforme prevê a portaria nº 1578-S, de 27 de novembro de 2012, fica vedado o uso de espelho, a prática de agachamento, desnudamento parcial ou total e/ou qualquer outra forma de tratamento desumano ou degradante ao visitante, durante procedimento de revista.
Dessa forma, seguindo o previsto na portaria, a revista de visitantes é feita eletronicamente, com uso de equipamentos de segurança capazes de identificar aparelhos de celular, armas, explosivos, drogas e outros objetos, produtos ou substâncias proibidas por lei.
Vale destacar que todos os detentos são submetidos a minuciosa revista depois de receberem visitas. Cães da Diretoria de Operações Táticas da Sejus, treinados para a detecção de entorpecentes, também são utilizados em revistas rotineiras nas unidades prisionais. Por fim, a secretaria esclarece que, por questões de segurança, não informa o quantitativo e a especificação dos equipamentos de revista utilizados nas 35 unidades prisionais do Estado.
JULGAMENTO
A magistrada acrescentou que, para identificar os de casos coação, deve-se trabalhar com bastante sensibilidade.
“O juiz tem que ter sensibilidade, cada caso é um caso. Tem o caso daquelas que estão com um familiar sendo ameaçado, mas tem também os daquelas que querem entrar com drogas no presídio para satisfazer um desejo dele. Às vezes, é uma armação do próprio preso, porque ele quer usar droga. A gente também leva em conta o histórico de quem está sendo preso. Temos técnicas para poder extrair o máximo possível de verdade”.
PRISÃO TRAZ MEDO E DIFICULDADE PARA TRABALHAR
De dois em dois meses, algumas dessas mulheres, que já foram julgadas, comparecem ao Escritório Social, no Centro de Vitória, para se apresentarem à Justiça e terem um acompanhamento psicossocial.
Esse comparecimento é feito não só por elas, como também pelos demais presos. A maior parte deles está em regime aberto ou em liberdade condicional.
Segundo a coordenadora da 9º Vara Criminal de Vitória, que atua na unidade, Grayce Lourdes Amboss Merçon Leonardo, eles chegam lá com medo, e têm dificuldade de voltar ao mercado de trabalho depois que são presos.
“Eles têm medo de andar na rua, se sentem inseguros. Sofrem todos os tipos de discriminação. A dificuldade no trabalho ocorre por causa dessa discriminação”, pontuou.
Já atuei em um processo que tinha uma senhora de 70 anos com três netos presos em unidades distintas. Quando ela os visitava, fazia o leva e traz das informações. Ela acabou presa por associação para o tráfico
Gisele Souza de Oliveira, juiza
DEFENSORIA PÚBLICA ATUA NA MAIORIA DOS CASOS, E PODE AJUDAR
Casos como os que envolvem essas mulheres são acompanhados pela Defensoria Pública do Espírito Santo. Como elas não têm antecedentes criminais, e têm endereço e emprego fixo, o defensor tem mais possibilidade de pedir uma liberdade provisória ou até mesmo uma absolvição ao juiz.
“Na audiência de custódia, o defensor analisa se ela é ré primária, tem bons antecedentes, se tem emprego, residência fixa. Se tiver, ele pode usar esses argumentos para fazer o pedido de liberdade provisória sem arbitração de fiança, ou aplicação de medidas cautelares”, explicou a defensora pública Roberta Ferraz, que coordena o Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública.
A defensora salientou que isso é feito não só nos casos envolvendo essas mulheres, como também nos demais casos que chegam na audiência de custódia. Nesse primeiro momento, o defensor só tem contato com o perfil da pessoa e o tipo de crime praticado. A motivação desse crime - como, por exemplo, a coação - só é conhecida depois, quando os defensores das varas criminais assumem o caso.
“Se a pessoa é coagida e o defensor consegue comprovar isso, faz-se o pedido de absolvição baseado em uma cláusula chamada excludente de culpabilidade. Isso quer dizer que, apesar de o ato ter sido ilícito, ela não fez isso por livre e espontânea vontade. Ela estava sendo coagida. Então, o juiz acatando o pedido, a pessoa será absolvida”, completou.
Caso seja condenada, a mulher ainda tem o acompanhamento de um defensor se precisar. “Se ela for condenada, vai para uma outra área. Ela vai pegar uma pena, e, se a pena for privativa de liberdade, por exemplo, o processo entra na parte de execução penal. A partir daí, entram os defensores que atuam no Núcleo de Execução Penal, nas unidades prisionais. Eles vão trabalhar para fazer cumprir os direitos dela durante o cumprimento da pena. Cada fase do sistema de justiça tem um núcleo e uma atuação específica da Defensoria Pública. São várias fases com atuações distintas da defensoria”, acrescentou.
ALGUNS CASOS
Mãe presa
Uma professora teve o filho mais novo preso, e ele foi pressionado por colegas de cela. Ele falava "mãe, eu vou morrer, você precisa trazer", e ela foi presa porque tentou entrar com droga no presídio. Depois acabou sendo absolvida porque a Justiça viu que ela havia sido coagida para praticar o crime.
Ajuda ao irmão
Uma jovem foi presa ao tentar entrar no Complexo Penitenciário de Viana com maconha. Ela foi coagida porque o irmão, que está preso na unidade, tinha usado droga de outros presos, e estava devendo dinheiro ou a própria droga para eles. Ela teve liberdade provisória concedida em uma audiência de custódia.
Choro no presídio
Uma mulher foi presa ao tentar entrar com droga em um presídio. O marido dela havia usado entorpecentes de outros presos na unidade, e estava devendo dinheiro ou droga para eles. Mas, antes mesmo de entrar no presídio e passar pela revista, ela chorou, e acabou sendo flagrada pelos agentes penitenciários.

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